segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mas fiquei calado

Estação de trem Palmeiras Barra Funda, um dos maiores lugares de aglomeração em horário de pico. Sendo mais especifico eram exatamente 18 horas. Tanta gente voltando do trabalho, todos loucos pra chegar em casa e esticar as pernas no sofá, comer arroz feijão e bife e assistir a novela das 9. Ansiosos eles correm, e correm e correm. Não sei porque tanto correm, mas enfim. A multidão apressadinha se espreme para entrar em cada trem que chega, e estressados pela rotina de dormir menos de 6 horas por noite, acabam perdendo o controle em certas situações, empurrando os outros, ou xingando quem os empurra. A culpa sempre é do outro não é mesmo? Mas vamos ao foco da história. São Paulo é uma cidade conhecida pela diversidade, e numa cidade assim podemos encontrar certas figuras, por assim dizer, um pouco peculiares. Nessa mesma estação encontrava-se um rapaz com seus vinte e poucos, que carregava três balões. Um com a letra S, outro com a letra L e um balão somente amarelo. O rapaz andava engraçado, cheio de pose. Sem contar que usava um bigode a lá anos 50. Senti vontade de me aproximar e perguntar para onde ia com aqueles balões, e se tinha certeza de que os balões iriam sobreviver à aquele trem lotado, e o porquê daquele bigodinho esquisito. Mas fiquei calado. Logo atrás do rapaz vinha uma quarentona, muito bem conservada. E a cada passo que dava, um homem virava a cabeça para dar "aquela olhada". Ela estava de salto, saia preta e uma bela blusa que não indicava que aquela mulher andava de trem. Mas tinha alguma coisa errada com aquela mulher, ela estava usando óculos escuros, e já havia escurecido, fora que hoje nem havia feito sol. Cega ela não poderia ser, andava confiante demais. Tive vontade de perguntar se usava óculos apenas por moda, ou se havia chorado e ficado com os olhos vermelhos, ou até se tinha fumado uma marola e precisava disfarçar. Mas vai que ela se sente ofendida. Fiquei calado. Um novo trem chegou na estação, e mais uma manada de gente correu para dentro dele como se fosse um trem com destino ao céu. No meio disso avistei uma menina, que devia ter no máximo 13 anos. A pobresinha estava chorando, mas não chorava mais como criança, chorava como moça. Com um jeitinho calado, limpava com a manga da blusa as lágrimas que escorriam sem parar pelo seu rosto. Pensei em perguntar se estava perdida, ou se havia se machucado, ou poderia estar apenas triste. Muitas pessoas choram apenas pela tristeza de não terem o porquê chorar. Mas fiquei calado. Vai que ela comece a chorar mais ainda. Estava ficando cansado de ficar ali em pé, os anos não foram muito gentis com a minha coluna. E logo a estação já estaria vazia, o horário de pico já havia passado, então caminhei até a escada rolante, e enquanto isso, vi o trem das 20 horas partir. Quando saí da estação, vi que o jornaleiro que tem uma banca em frente da estação, me encarava. Acenei com a cabeça por educação, mas fiquei confuso, nunca havia conversado com aquele homem, nem ao menos tinha comprado um jornal ou um bilhete do jogo do bicho. Continuei a caminhar, mas quando estava quase deixando a banca de jornal para trás, o homem falou "O senhor passa sempre por aqui neste horário, e quando entro na estação, noto que o senhor fica sempre parado no mesmo lugar, sempre calado e tão observador. Me perguntava se o senhor esperava alguém, ou se o senhor era algum tipo de pedófilo, ou só se gostava de trens. Fiquei sempre calado, óbvio. O senhor iria me achar um louco, como deve estar achando agora. Mas desculpe-me, a curiosidade foi maior." Enquanto o jornaleiro falava, parei e o analisei. Devia ter uns 50 anos, usava aliança, vestia-se como um pai de família deve se vestir. Tinha alguma olheiras, e carregava um exemplar de Jorge Amado nas mãos. Aparentava ser um bom homem. Mas que história era aquela de ficar reparando nas pessoas, e ainda por cima fazendo perguntas indiscretas? Após ver que eu não iria dizer nada diante daquele comentário que fizera, ele insistiu: "E então senhor, por que o senhor todos os dias vem a estação e fica somente parado, olhando para a multidão?" Por fim respondi o jornaleiro: "Ora... mas que audácia do senhor, senhor jornaleiro! Todos tem o direito de vir à estação, seja lá qual for o motivo. Uns vem para trabalhar vendendo bala, a maioria vem somente para pegar o trem e irem aos seus respectivos destinos, outros vem somente para usar o banheiro, vi gente até que vem para roubar. Eu gosto de observar. Venho então, para observar. Mas que audácia!" Vê se eu posso com isso? Fiquei com vontade de perguntar porque o jornaleiro era tão indiscreto, será que sua vida não era interessante o bastante, ou será tinha alguma doença que o fazia falar tudo que pensa, ou até se era escritor e precisava de boas histórias para escrever. Mas aí fiquei calado. Vai que eu pego essa mania de indiscrição... ficar observando as pessoas que passam vá lá, mas xeretar a vida delas, aí já é demais. Mas isso tem um motivo, como eu disse, São Paulo é uma cidade que podemos encontrar certas figuras, por assim dizer, um pouco peculiares.

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